quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Meus oito anos...


Se minha infância tivesse um cheiro, seria de terra molhada, se tivesse um gosto seria de todos os docinhos comprados e frutas 'roubadas', naqueles quintais vizinhos, e apressadamente saboreadas com condimentos, mistura que fazia 'salivar a boca, só de olhar'. Se tivesse uma cor, teria uma para cada travessura, bem intermitente, bem ofuscante. Engraçado como essas lembranças podem ser resgatadas facilmente pelos sentidos...como um mnemônico que a vida mesma se encarregou de desenhar.

Ao sair de casa, um rosto familiar me remeteu a tudo isso, era Emília, minha grande amiga de infância. Quando nossos olhos, timidamente, se encontraram, arqueamos as sobrancelhas, fizemos um aceno rápido, mas não nos aproximamos, não havia o que ser falado, ou talvez houvesse. Podíamos ter nos abraçado demoradamente e relembrado alguma coisa do passado, falado das nossas vidas atribuladas, mas não...simplesmente fomos... sem nada dizer...

Lembro que compartilhávamos tudo, as frutas pareciam bem mais deliciosas quando comíamos juntas, sem muita habilidade para cortá-las, mas disputando cada pedaço. Quando não estávamos juntas, nas calçadas, estávamos ao telefone e nossas mães 'ralhavam', nos lembrando da conta, só assim desligávamos. Éramos bem criativas e criteriosas, desenhávamos e pintávamos coisas diversas, criávamos bonecas e bichos com papéis, além de coreografias dos hits do momento. Disputávamos corridas, rua abaixo, tendo como troféus coisas insignificantes para qualquer um, menos pra nós. Corríamos insandecidamente, depois de ter tocado alguma campaínha e os vizinhos aparecerem, enraivecidos, por termos tirado seu sossego matinal. Cada cicatriz, tem uma história particular, regada a muitas gargalhas e, às vezes, muitas lágrimas. Nunca esquecerei a contagem regressiva que fazíamos esperando nossas férias, para podermos concretizar todas as travessuras que arquitetávamos por todo um semestre. É, só me resta parafrasear Casimiro de Abreu e encerrar esse saudosismo com um trecho de seu “Oito anos”, que parecem que são os meus, os nossos, querida Emília:

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!

Um comentário:

  1. Alguem um dia disse: "Relembrar é preciso"... Saudosismo é legal, mas relembrar o passado é trazer à tona sua estrutura, saber de qual estofo voce foi feito... E Gege, seu texto é tao interessante, que de forma simples descreve todo um cenário, quando se ler, é facil identificar toda a cena. Um editorial regado a saudadades e muito bem escrito. Parabens meu bem. Beijos

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