Li uma reportagem
super interessante, em revista homônima, edição 309, cujo título era “7 dias em
1987”. Nesta, o jornalista Felipe Van Deursen se autopropôs um desafio de
voltar no tempo e viver como um jornalista do referido ano, com comportamento, vestimentas
e hábitos da época. Para isso, teve que
se desfazer de hábitos modernos, facilitados pelas ferramentas da tecnologia da informação- teve inclusive que digitar seu artigo em máquina de escrever- o que não
deve ter sido tarefa fácil.
Trabalhar um
recorte de tempo de 25 anos, para o leitor mais desavisado, pode parecer algo
fácil e nada desafiador, mas quando analisamos que o processo de globalização do
mundo teve seu auge neste ínterim,
percebemos que há, sim, um grande desafio, pois uma série de mudanças estruturais
ocorreu no mundo inteiro e as pessoas tiveram que se adaptar às mesmas, por
necessidade dos novos tempos, do novo mercado, das novas mudanças.
Não dá pra
imaginar o mundo de hoje com máquinas de escrever, telefones fixos, secretárias
eletrônicas e cartas, como meios de comunicação, mas era assim a exatos 25 anos
atrás e era assim que as coisas funcionavam. Porém, tais ferramentas não
suportaram os novos tempos e tornaram-se obsoletas, limitadas em suas
funcionalidades, pois o desenvolvimento da economia e, consequentemente, do
comércio, teve seu aceleramento com essa globalização da economia, processo
considerado como irreversível no mundo inteiro e que exigiu ferramentas mais
eficientes e ágeis, que atendessem a esses novos tempos.
Com a
globalização pungente, as empresas tiveram que investir maciçamente em capital
humano, qualificando-o, para assim desenvolverem seus diferenciais de
qualidade, atraindo, desta forma, um público cada vez maior e mais ávido por
novidades. Obviamente, que as mudanças trazidas para os ambientes industriais
tiveram impacto direto nos domésticos, pois os consumidores foram desenvolvendo
necessidades novas, como possuir um aparelho celular ou um computador com
internet e, em contrapartida, abandonar os aparelhos que possuíam, agora sem
utilidades. Ainda bem que a arquitetura moderna resolveu resgatá-los e utilizá-los como requintadas peças de decoração.
Que contraditório!
Para que abrir
mão de toda essa modernidade e facilidades adquiridas com o avanço da
humanidade, das tecnologias e das ciências e se remeter a meados dos anos 80,
onde tudo funcionava a passos de tartaruga?
A verdade é que, como o próprio jornalista da reportagem da
superinteressante afirma - agora trajado de bermudas cintura alta, camisa
sintética, sapatos com meias brancas a mostra e bigodes bem aparados e feitos
com gilete, pelo barbeiro da esquina, como bem manda o figurino da época – nesse
segundo milênio, estamos sufocados por tanta informação e embora totalmente dependentes
das tecnologias, não damos conta de tudo
o que nos impõem “goela abaixo” e esse retorno ao passado representa, nada mais
que, uma tentativa desesperada de resgatarmos algo que a modernidade nos tomou
de assalto: a paz de espírito. Já estamos percebendo um significante “êxodo
urbano”, onde as pessoas estão voltando para o interior, comprando sítios,
chácaras, fazendas e reaprendendo a ter hábitos simples, longe de todo o
tumulto urbano e suas parafernálias tecnológicas e em busca do famoso sossego.
Depois de
refletir sobre tudo isso, fiquei imaginando o que estaria fazendo agora,
domingo a noite, se tivesse 28 anos, minha idade atual, a 25 anos atrás. Nasci
nos anos 80,mas não o vivi, como quereria. Confesso que me surpreendi com o
turbilhão de ideias que tive pra me diverti, ideias que jamais tive nesses
tempos modernos. Curiosamente, detectei que meu estilo de vida combina com esse
retrocesso que me propus a fazer e, das coisas que pensei, certamente, uma estaria
fazendo agora( até consigo imaginar a cena): daria um jeito de convidar meus amigos
mais íntimos para sentarmos na calçada de casa, alguém traria um violão, eu
providenciaria as bebidas e comidas.
Na hora combinada, a turma chegaria, nos cumprimentaríamos com apertados, demorados e sinceros abraços, pegaríamos as cadeiras de espaguete, desfazendo o conjunto de terraço e, no quintal, umas grades de cerveja, que serviriam de tamboretes para os meninos sentarem. Tiraríamos os chinelos, pondo os pés no chão,ficando mais a vontade, nos posicionaríamos em círculo e logo alguém pediria pra eu buscar as bebidas e os petiscos na dispensa da casa.Enquanto isso, alguém pegaria, no armário de vidro da cozinha, os copos de extrato de tomate, que serviriam para beber o vinho e eu descobriria em seguida, que o “congelador da geladeira fora descongelado”, naquela mesma tarde, e que o vinho foi posto na parte de baixo, e agora quente, seria complicado beber! mas isso não teria importância para nós. Minha mãe pegaria um pedaço de queijo, que sobrou do café da manhã, e um copo de azeitonas na geladeira e com palitos de dentes, mãos habilidosas e um sorriso de canto-de-boca, iria espetando, alternadamente, “queijo-azeitona-queijo-azeitona”, e logo em seguida, repousando-os em pratos duralex, daqueles que nunca quebram, num movimento rítmico interessante que dá até vontade de fazer. Voltando para a calçada, poria o prato duralex numa mesinha no centro, com aqueles palitos enfeitados, que dava pena de comer de tão bonitos, serviria também o vinho quente, que só os homens teriam coragem de beber e um refrigerante simba pras meninas.
A música logo começaria...com os olhos fechados, os dedos estalando e às vezes tamborilando no ritmo das batidas do violão, deixaríamos o corpo bailar de um lado para o outro ao som das nossas canções preferidas, que, certamente, seria Legião Urbana. Cantaríamos até o vinho acabar ou até minha mãe aparecer na janela da sala reclamando do barulho e dizendo que não estava conseguindo dormir. Sensibilizados, guardaríamos tudo nos devidos lugares, calaríamos nossas vozes e violão e nos despediríamos, na certeza que em breve nos encontraríamos para fazer algo tão agradável quanto esta noite, como discutir sobre um livro ou reportagem legal que lemos sobre o fim da ditadura e possibilidade de surgimento de uma constituição cidadã em 1988, quem sabe falaríamos também de um disco novo do Ultraje a Rigor ou dos Titãs e da possibilidade de termos nossa própria banda de rock'n roll. Tudo isso sem celular, sem redes sociais, sem computador...
Na hora combinada, a turma chegaria, nos cumprimentaríamos com apertados, demorados e sinceros abraços, pegaríamos as cadeiras de espaguete, desfazendo o conjunto de terraço e, no quintal, umas grades de cerveja, que serviriam de tamboretes para os meninos sentarem. Tiraríamos os chinelos, pondo os pés no chão,ficando mais a vontade, nos posicionaríamos em círculo e logo alguém pediria pra eu buscar as bebidas e os petiscos na dispensa da casa.Enquanto isso, alguém pegaria, no armário de vidro da cozinha, os copos de extrato de tomate, que serviriam para beber o vinho e eu descobriria em seguida, que o “congelador da geladeira fora descongelado”, naquela mesma tarde, e que o vinho foi posto na parte de baixo, e agora quente, seria complicado beber! mas isso não teria importância para nós. Minha mãe pegaria um pedaço de queijo, que sobrou do café da manhã, e um copo de azeitonas na geladeira e com palitos de dentes, mãos habilidosas e um sorriso de canto-de-boca, iria espetando, alternadamente, “queijo-azeitona-queijo-azeitona”, e logo em seguida, repousando-os em pratos duralex, daqueles que nunca quebram, num movimento rítmico interessante que dá até vontade de fazer. Voltando para a calçada, poria o prato duralex numa mesinha no centro, com aqueles palitos enfeitados, que dava pena de comer de tão bonitos, serviria também o vinho quente, que só os homens teriam coragem de beber e um refrigerante simba pras meninas.
A música logo começaria...com os olhos fechados, os dedos estalando e às vezes tamborilando no ritmo das batidas do violão, deixaríamos o corpo bailar de um lado para o outro ao som das nossas canções preferidas, que, certamente, seria Legião Urbana. Cantaríamos até o vinho acabar ou até minha mãe aparecer na janela da sala reclamando do barulho e dizendo que não estava conseguindo dormir. Sensibilizados, guardaríamos tudo nos devidos lugares, calaríamos nossas vozes e violão e nos despediríamos, na certeza que em breve nos encontraríamos para fazer algo tão agradável quanto esta noite, como discutir sobre um livro ou reportagem legal que lemos sobre o fim da ditadura e possibilidade de surgimento de uma constituição cidadã em 1988, quem sabe falaríamos também de um disco novo do Ultraje a Rigor ou dos Titãs e da possibilidade de termos nossa própria banda de rock'n roll. Tudo isso sem celular, sem redes sociais, sem computador...
É...agora estou certa que seria bem mais feliz se o meu hoje fosse 1987!
Geovana Azevedo
Em 1987 a esperança era vívida e os sonhos pareciam tão reais que quase podíamos tocá-los. Era o momento que que a rebeldia que enfrentou a ditadura militar se encontrava com as possibilidades de construção democrática. Época de sonhos!
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